sexta-feira, outubro 10, 2003
 
:: vidas cegas
(ao som de radiohead, o mais triste possível)

uma dica de leitura: vidas cegas de marcelo benvenutti. o livro é editado pela galera do pampas livros do mal. são pequenos contos curtíssimos sobre personagens estranhos muitas vezes. adorei o livro. fiquei bastante impressionado com a simplicidade e o múltiplo de poesias. aconselho. vou colocar dois contos:

A vida de Luísa

Todos os jovens de uma pequena cidade do interior mudaram-se para a capital atrás de trabalho e prazer mundano. Os homens que ficaram morreram, literalmente, de tédio. As mulheres, todas viúvas ou solteiras, tinham como única diversão, chorarem no enterro de uma ou outra. As cidades vizinhas, e até algumas cidades distantes e da capital, mandavam suas velhas solteiras e viúvas para lá. As carpideiras aborígenes contentavam-se em exigir uma contribuição para aceitá-las em suas casas. O número de habitantes não se alterava muito, pois as mulheres que chegavam supriam as que morriam. A quantidade de enterros, entretanto, só aumentava ano após ano. Chegou o dia em que todas as velhas viúvas e solteiras do país moravam naquela cidade. As outras cidades, aos poucos, foram esquecendo da cidade das velhas carpideiras, como era conhecida, e a população começou a definhar. Cada enterro era mais triste e choroso que o anterior. As velhas, pressentindo não terem ninguém para chorar em seu enterro, morriam de desgosto. As outras, pranteavam o próprio medo. Uma delas era Luísa. Um dia, quando a penúltima velha morreu, Luísa chorou por três dias. A cidade das velhas carpideiras perdeu-se no deserto de concreto. Luísa ainda espera a morte nas lágrimas de outra pessoa.

A vida de Mariana

Nas Termas de Stendhal, as pessoas cansadas do trabalho descansam suas mentes em névoas do éter e sangue. O sangue dessas pessoas é canalizado para grandes tubos onde passa por um processo de clareamento e posterior mistura com outros tipos de sangue e depois retorna para as mesmas veias de onde saíram. Enquanto se dá o processo, que chamamos auto-ajuda, as pessoas são envolvidas por uma nuvem de éter e dormem dias e semanas ou o tempo que for necessário para que se complete o processo. Este ano, entre as pessoas que se retiraram nas Termas, está uma menina chamada Mariana. Mariana tem onze anos e nunca trabalhou na vida. Mariana escreve poemas nas paredes do seu quarto. Mariana molha suas roupas íntimas durante a noite. Mariana deve morrer.